sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Traços autobiográficos

clarice-lispectorTRAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS

Sou Clarice Lispector. Nasci na Ucrânia, numa aldeia que não existe no mapa, Tchetchelnik, e vim com dois meses para o Brasil. para o Recife. Minha primeira língua foi o português. Muitas pessoas pensam que eu falo com sotaque por ser russa de nascimento. Mas é que eu tenho a língua presa. Há a possibilidade de cortar, mas meu médico falou que dói muito. Tem uma palavra que eu não posso falar, senão todo mundo cai pra trás: aurora.

Antes de aprender a ler e a escrever, eu já fabulava. Inventei junto com uma amiga minha, muito passiva, uma história que nunca terminava, porque quando eu dizia: "Então todos estavam mortos", ela replicava: "Não tão mortos assim". Então eu continuava a história.

Eu trabalho do modo mais esquisito do mundo: sentada numa poltrona, com a máquina no colo. Por causa de meus filhos. Quando eles eram pequenos, eu não queria que tivessem uma mãe fechada num quarto a que não pudessem ter acesso. Então eu sentava no sofá, com a máquina no colo e escrevia.

Meus romances, meus contos me vêm em pedaços, anotações sobre as personagens, tema, cenário, que depois vou juntando, mas que nasceram de uma realidade interior vivida ou imaginada, sempre muito pessoal.

Quando eu era criança, durante muito tempo pensei que os livros nascessem como as árvores, como os pássaros. Quando descobri que existiam autores, pensei: também quero fazer um livro.

Esse texto foi criado a partir de uma colagem de depoimentos e crônicas da autora.

Para gostar de ler, vol. 9, Contos. São Paulo: Ática.

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